O dia mais longo do ano, o Solstício de Verão ou O Dia de São João, era celebrado na Antiguidade como o triunfo da Luz sobre as Trevas, era um momento do ano que significava, também, uma ocasião de renovação (assim como o Equinócio de Inverno), o triunfo da Vida e da Natureza.

Tanto celtas como gregos, romanos e mais tarde, os cristãos, usaram o Fogo, a Água e as ervas sagradas em suas celebrações. Do mesmo modo, veremos mais à frente que no Islam andaluz e maghrebino (norte da África), se praticavam quase os mesmos rituais.

Com as fogueiras, os celtas buscavam a bênção de suas terras e bons augúrios. Os gregos, também nesta época, buscavam purificar-se nesta época do ano pois, para eles, o Solstício de Verão era a porta que permitia os homens irem a uma “dimensão interior” e lhes permitia assimilar as experiências então vividas (daí vem seu nome: “a porta dos homens”).

Séculos mias tarde, em um contexto cristão, se celebra, como fez anteriormente Zacarias, o nascimento de João Batista (ambos santos no Cristianismo e no Islam, sendo neste último considerados, também, Profetas).

No século VII, São Elígio de Noyon (588 – 660 EC) criticava alguns costumes de origem germãnica ou “bárbar”, no geral, como os “cantos obscenos” e os bailes com o pula-fogueira, que constituíam uma espécie de sicnretismo com o feriado cristão de São João.

Julio Caro Baroja, etnógrafo espanhol, cita:

“Não creiam nas fogueiras e não sentem-se cantando, pois todas estas práticas são obras do demônio. Não se reúnam nos solstícios e que ninguém dentre vós dance, salte nem cante canções diabólicas no dia de festa de São João, nem de [de nenhum] outro santo.”

Esta citação de Santo Elígio é interessante pois é um dos primeiros testemunhos das famosas “fogueiras de São João” em um contexto cristão que temos e nos alude a sua clara origem pagã ou germânica, ou, mesmo, ambas.

Outro costume que praticamos ainda hoje em algumas praias é o “ritual” do “banho purificador” com toda a simbologia da água associada a ele.

Já na época da Espanha Visigótica, temos o caso do rei Recesvinto que em 661 aproveitou umas certas fontes com águas terapêuticas que eram conhecidas desde a Antiguidade para curar suas dores renais. A dor se sarou com os banhos e, em agradecimento, ele erigiu uma ermida sob a égide São João Batista.

A Ansara, ou Mahrayan, dois nomes para o São João andaluz

No mundo andaluz, a Festa de São João foi celebrada por cristãos, muçulmanos e inclusive judeus, sendo conhecida popularmente por ‘Ansara, ou em menor medida, Mahrayan (palavra árabe de origem persa que tem hoje em dia o significado de “Festividade” ou “Festival”).

No século IX, o esteticista Ziryab traz de Bagdá, então centro do mundo islâmico, modas e tendências e insitui no Al-Andalus um evento praticado pela corte abássida chamado Mahrayan, que rapidamente é assimilado à festividade da ‘Ansara por influência moçárabe e, possivelmente, pré-islâmica visigótica e pagã.

Ademais, São João ou ‘Ansara, é o momento que propõe Ziryab para trocar as pesadas roupas de Inverno pellas leves e alvas roupas brancas de Verão.

Mais tarde, o Calendário Muçulmano de Córdoba (961) nos conta novamente desta festividade, quiparando-a, curiosamente, a uma festa cristã:

“24 de Junho: quando Josué deteve o Sol; festa da natividade de João, filho de Zacarias.”

Na primeira parte se alude a uma passagem do livro bíblico de Josué (10:12 – 13):

“E o Sol se deteve e a Lua parou [...] E o Sol parou no meio do céu, e não se pôs durante quase um dia inteiro.”

É interessante notar o conhecimento bíblico do autor anônimo do Calendário de Córdoba e a importância dada ao Sol no mesmo.

Com uma carga simbólica, o Astro-Rei ocupa um lugar proeminente no Firmamento e é ele que leva a marcação do Tempo em dias.

Essa posição proeminente do Sol encontrará eco numa das lendas aassociadas a Carlos Magno e a Batalha de Roncesvalles quando o Sol parece cair, fixo, sem que a Noite o alcance.

É interessante também notar esta alusão ao Sol como marcador em um calendário pois, no calendário islâmico, a marcação é lunar, não solar. Vemos, então, a existência de um substrato pré-islâmico de raízes europeias ou cristãs que marcam o tempo segundo o calendário solar e dá vazão a festividades de grande popularidade em torno do universo muçulmano andaluz, incluindo entre as classes mais altas, geralmente mais arabizadas.

Assim, na obra “Tartib al-Madarik” nos é transmitido que na Córdoba de ‘Abd al-Rahman III, o ‘Ansara era celebrado com pompa e esplendor, com corridas de cavalos e provas de destreza. O próprio Califa proclamou a obrigação dos cortesãos, oradores e poetas de assistir a estas comemorações do ‘Ansara, às quais também organizou declamações de poesia.

Durante o período das Taifas (século XI), cristãos moçárabes e muladis (muwalladis, isto é, muçulmanos ibéricos) celebravam estas festas em conjunto, sendo muito criticados pela ulemá e os alfaquís por estas serem contrárias aos costumes islâmicos. Homens e mulheres a celebravam juntos gritando e dançando, sem véu algum, e ao que parece, se acendiam luminárias nesta noite, não sabemos se velas ou fogueiras.

Assim nos conta um ocorrido durante o governo de Al-Ma’mun, na antiga Madrid árabe (Mayerit), onde haviam de ser tomadas medidas para prevenir a desordem e condutas deviantes da mora islâmica:

“Nas noites de São João e São Pedro era necessário reforçar a vigilência nas muralhas da praça, pois os infiéis e inimigos de Alá (cristãos) se juntavam sob o pretexto de suas devoções aos benditos servos do Senhor, e iam-se pelos campos com obscenos bailes e alegre algazarra, tanto os homens como as mulheres que, sem véus que tapassem seus rostos, correndo desordenadamente e ofendendo a Alá com seus gritos.”

(tradução para o espanhol de Fernando de la Granja)

Apesar das restrições dos religiosos, os muçulmanos ajuntavam-se, ombro-a-ombro celebrando essas festas. Assim iam...

“a estas festas escandalosas a fim de acender luminares, nas quais ouviam azalás (preces) subversivas e blasfemas contra O Profeta querido de Deus.”

E se pedia à autoridade, que tomara nota do assunto, proibí-los de se reunir em ermidas, como a da próvavel [ermida] da Virgem de Atocha:

“...que em tais noites sejam proibidos os cristãos de irem à ermida da Virgem das Tochas (sic), que contra a lei do Corão lhes é permitido como gentis idólatras a adoração de ídolos, e que mande fechar as casas dos ídolos cristãos, que, cercando a população, eram quartéis onde, além de juntar-se para maldizer a Alá e o Querido Profeta, tramavam conspirações para apoderar-se das fortalezas.”

Em Sevilha, ocorria outro caso: parece que era a famosa Velada de San Juan pelo comportamento licensioso de seus habitantes.

No século XII, mesmo sob estrita vigilância dos Almorávidas, prosseguiram as celebrações das festividades de ‘Ansara, sendo um costume ainda persistente aquele de se vestir com roupas novas ou luxuosas. Abu-l-‘Abbas al-Asma de Tutili, “o cego de Tudela” (m. em 1126) escreveu:

“«ALBO día, este día,

día del- ‘ansara, haqqá!

Vestirey mieo al-mudabbaĵ

wa-našuqqu-r-rumha xaqquá».

¡ALBO día, este día,

 día de la fiesta de San Juan!

 Me pondré mi brocado

 y romperemos lanzas. “

O “romper de lanças” nada mais era que os jogos equestres de destreza a cavalo, possivelmente os jogos de cañas (medida equivalente a 168 cm) que tanto eram apreciados desde a época de ‘Abd al-Rahman III e, também, tanto foram criticados e combatidos pelos ulemás.

Vê-se, também, entretanto, como persistiriam até a época dos Nacéridas (1238 -1492) e depois.

A nível popular, a Noite de São João carregava uma série de ritos e crenças de origem pré-islâmica que perduravam entre as classes populares moçárabes e muçulmanas. Por exemplo, para ambos os grupos era uma noite “mágica”, onde aconteciam fenômenos sobrenaturais. Em Granada, por exemplo, acontecia o chamado “milagre das azeitonas”.

Segundo o granadense Abu-Hamid el-Andalusi, na Serra do Albaicín, havia uma ermida cristã com uma fonte e uma oliveira. Na manhã do dia de São João, o fluxo da água da fonte aumentava e a oliveira aparecia mais corpulenta e florida e, ao longo do dia, as azeitonas tornavam-se maduras e trocavam de cor: começavam verder e passavam ao branco, roxo e por fim, ao negro.

O povo subia neste dia para passá-lo por lá, numa especié de meio-a-meio entre piquenique com a família e romaria religiosa. Ao cabo do dia, as pessoasbebiam da água e comiam as azeitonas, que criam serem “milagrosas”, “guardando uma ou outra para seus remédios, e assim conseguem grandes benefícios”, alguns ainda comendo sem elas estarem amduras, contrariando uma proibição vinda desde os Omíadas, que era de deixá-las madurar até o final do dia.

Como curiosadade, é digno de nota comentar que até hoje há o costume de subir em romaria até o Albaicín, ainda que neste caso seja no dia de São Miguel e sem mais azeitonas milagrosas.

At-Tartusi no seu Kitab al-Hawadith wa-l-Bida’, conta como no Ansara, cristãos e muçulmanos compravam almofadas e bolinhos e que, para o escandalo dos tradicionalistas ulemás e alfaquís, os homens e mulheres saíam juntos e misturados em pares ou grupos para se divertirem. Também nos fala dos curiosos costumes de origem pré-islâmico, como o de deixar as vestimentas se molharem com o sereno, quiçá esperando alguma benção para as vestimentas (novamente, vemos aí a simbologia da Água no São João).

Ademais, seguem-se as celebrações de corridas de cavalos e jogos de cañas.

Citando como autoridade o alfaquí Yahya Abu Yahya, At-Turtusi conta o seguinte:

“Tampouco é lícito fazer correrem os cavalos nem [é lícito fazer] os exercícios de destreza no ‘Ansara. Tampouco [é lícito] o que fazem as mulheres ao regar suas casas no dia de ‘Ansara, que é um ato de paganismo (yahiliyya); e tanto como deixar suas vestes ao orvalho da noite.”

Também na citada obra de At-Turtusi, Yahya ibn Yahya comenta como as mulheres se vestiam com suas melhores roupas de gala e se adornavam com henna, as pessoas deixavam seus ofícios e tomavam o dia como feriado. Também se preparavam pratos especiais baseados na folha de couve e nas lentilhas.

Um almanaque andaluzo narra que nesse dia fazia uma espécie de previsão do tempo, como hoje é feito com os bolinhos. É dito que se colocava um pedaço de madeira fora da casa, se ele aparecesse molhado pela manhã, aquele seria um bom ano de chuva. Também se lia o futuro segundo a forma adotada pela Lua e o tempo de vento que soprou neste dia.

No final do século XIII, Al-Azafi (m. 1292) nos fala das especialidades culinárias que podiam ser vistas no ‘Ansara nacérida e magrebino, muito parecida com a descrição dada por At-Turtusi: se preparavan mesas nas casas com todo tipo de manjares e, em particular no quesito doces, bolos de frutas, frutas secas, como passas e figos, frutas frescas, caçarola de peixe, etc, que eram consumidos ou vendidos.

Mais tarde, no Magrebe entre os séculos XIII e XIV, o astrônome e matemático Ibn al-Banna de Marrakesh, falando deste dia, parece ter ciência de sua origem cristça, ao comentar:

EÉ a festividade (‘Id) dedicada à Yahya ibn Zakariyya (João filho de Zacarias) – a paz e as bênçãos sejam sobre ele -.Esse dia o Sol parou por intervenção de Josué – a paz e as bençãos sejam sobre ele-.”

E parece, também, reconhecer que é um dia único e bendito, já que:

“As colheitas que são colhidas naquele dia não serão afetadas por vermes ou estragar.”

Na África acontecia lago similar. Era o ano de 854, em Ifriqiya (hoje Túnis), as pessoas seguiam costumes bem similares aos dos andaluzos nessa festividade. De acordo com o que nos conta Ibn Sahnun em sua fatwa, haviam corridas de cavalos, jogos equestres, banquetes, iam ao hammam, ou “banhos árabes” e fazias fogueiras debaixo de árvores frutíferas.

Como podemos ver, em Ifriqiya se faziam fogueiras. Mas existiria em Al-Andalus um ritual de fogo – com fogueiras ou brasas -, associado a São João? Uma frase em dialeto árabe parece nos dar uma pista sobre: “al qasb al-muwassaf ma yakfz al-‘Ansara” ou “uma ovelha com muita lã nunca saltaria sobre al-‘Ansara”, querendo dizer que se é de se intuir que algo vá ser ruim, para o evitar-mos. Possivelmente esse ‘Ansara faz referência a essas fogueiras ou brasas.

Neste caso, al-‘Ansara tem um significado muito claro provável de fogo, de evitar “queimar-se”, quiçá as fogueiras que já s celebravam na Ifriqiya do século IX ou as brasas que vemos hoje em muitos pueblos espanhóis. Por último, um detalhe interessante da influência do Dia de São Jão no cotidiano nacérida nos dá o fato de que, como afirma a Professora Carmen Trillo, poderia ser o dia em que o sistema de irrigação de vala era trocado tendo em vista uma espécie de “horário de verão” desde o dia de São João até Setembro. Assim constam documentos granadinos dos finais do século XV “el tiempo del agua que en algarabia dicen navba”, palavra que significa turno, vez ou ocasião. Como afirma a professora Trillo e retomando o que foi dito sobre os calendários lunar e solar:

“Pode-se observar que estes eram trocados durante a estiagem, sendo feitos mais curtos, dado o fato que deveriam cobrir maior quantidade de água. Assim ocorre em Aynadamar, onde o tempo de irrigação é mais breve do São João até o fim do mês de Setembro. Como se vê, a época de irrigação começa com um encontro que marca o solstício de Verão. Em virtude do calendário muçulmano serlunar e, portanto, os meses são mais flexíveis, móveis, deveria ser eleito um dia do ano solar pois este seria fixo e manteria ano após ano. O 24 de junho contava com muitas características que o faziam em uma jornada especial pois era uma data de uma festa astronômica e cristã.”

O São João nas terras fronteiriças

O São João parece também ser um dia muito celebrado durante a Espanha da assim-chamada “Recoquista” pelos membros das três culturas.

Dois pequenos fragmentos de romances antigos, nos é legado a celebração por judeus, cristãos e muçulmanos.

Dos princípios do século XV, coincidindo com a queda de Antequera, nos diz o romance:

"Na manhã de San Juan

na hora do amanhecer

Os Mouros fazem uma grande festa

pela fértil planície de Granada».

(Romance de A Perda de Antequera)

Em outro é dito sobre um costume muito interessante, a colocação de ervas, talvez com simbologia de fertilidade e abundância, mas também com algum mais anterior que nos é incógnito, como é hoje em dia com a chamada Erva de São João, ou hipérico, assim chamada pois a ocasião de seu afloramento era nos idos de Junho.

"Dias vão e dias vêm

a festa era de São João:

em que mouros e cristãos

fazem grande solenidade:

os mouros espalham juncos

os cristãos murta,

e os judeus anéus

para a festa mais honrosa.”

(Romance do cativeiro dos Guarinos)

 

Celebrando o São João à mourisca: “o policial de Iranzo”

Em meados do século XV, o policial Lucas de Iranzo também celebrava seu São Joaão particular cna companhia de “mouros e cristãos” e rituais e costumes que já vimos no Al-Andalus de séculos atrás: por exemplo, se lavavam as ruas e as estâncias e, como alude o romancista, se adornavam os solos com ervas frescas. As paredes eram enfeitadas com adereços verdes e se cobriam as ruas . Pela manhã, o policial saía vestido a la morisca, como um mouro, montado a cavalo com estribos e jinete, ouvia a missa e depois se achegavam a um rio e se adornavam com guirlandas de flores. Novamente um cosume que sobrive por décadas.

Depois desse adornar, se dividiam em bandos e, saíam numa gincana, seguno a Crônica:

“engajados em uma bela escaramuça, alternadamente avançando e fugindo.”

Depois, então, acabavam jogando bastões um no outro. E depois de um tempo, Iranzo e seu séquito, “espada” em mão, simulavam uma batalha final de La Frontera, de espada na mão, faziam fugir os "inimigos", que se defendiam atirando bastões do alto das torres.

Estes jogos de bastões e destrezas sem dúvida seriam similares àqueles presenciados por ‘Abd al-Rahman III e seguiram em terras de fronteira e no Reino Nacérida, tal como vemos sendo representado no quadro La Battaglia de Gherardo Starnina do ínicio do século XV.

Em 1562, Luis Hurtado de Mendonza y Pacheco, marquês de Mondejár e V conde de Tendilla, foi solenemente proclamado Tenente do Reino de Granada, recebendo o pleito-homenagem de seus súditos em um tablado em Alhambra.

Entra os festejos organizados em sua honra foras as bem-conhecidas festas do dia da natividade de São João Batista e descitas no século XVII por Gaspar Ibáñez de Segovia em um manuscrito conservado na Biblioteca Nacional da Espanha.

Aqui participaram mouriscos granadinos, que são os descendentes de conversos [forçosamente] batizados entre 1499 e 1501. Neste manuscrito, temos um detalhe interessante sobre como iam vestidos estes mouriscos, assim como a descrição de uma escaramuça similar às que vemos hoje nas festas folclóricas de Mouros e Cristãos e já a vimos, também, na Crônica do Policial Iranzo. À frente descreveremos uma festa simular, com um banquete incluído:

“Os dias que demoraram para organizá-la foram parte da festa que se predizia; e toda a cidade baixava para ver os mouriscos, e os disfarces e as músicas com que vinham (...) baixaram de Alhambra 500 (homens) a cavalo, 1000 arcabuzeiros e 400 mouriscos (...) vinham estes em calções de linho largos até os tornozelos, com camisas, gorros coloridos, turbantes, muitas fundas, lanças nas mãos, com suas bandeirolas, misturados uns com os outros (...) 12 cavaleiros com jinetes ricamente adornados levavam 12 escravos turcos (...) Don Luis com calções à mourisca de damasco fulvo e marlota(...) Às primeiras horas da manhã foram aproximando-se junto aos campos, dobrando suas mangas de arcabuzeiros que travaram a escaramuça, fingindo-se mortos de uma parte á outra (...) Dispararam das torres da Alhambra a artilharia (...) chagaram os cavalariços, travando luta destra e airosa uns contra os outros (...)com tantos uivos dos mouros que pareceu vive e real batalha (...) Grnade banquete logo.”

No romance do século XVI é nos descrito em Granada umas festividades joaninas similares, quiçá sejam mesmo essas que descrevem a Crônica e que veremos descrita na obra de Ginés Pérez de Hita e outros.

Além disso, é surpreendente que os mouriscos ainda sejam equiparados aos nasridas de Granada, os “mouros” que são equiparados aos 12 escravos turcos que a narrativa sobre o Marquês de Mondéjar nos apresenta.

Não sabemos se houve, como nos atuais mouros e cristãos, gincanas e desafios, mas dá uma ideia da Granada mourisca que durou até o ano de 1567. Nesse ano, o decreto de Filipe II, no A pedido do arcebispo Guerrero, inspirado pelas novas correntes de Trento, as relações entre mouriscos e cristãos-velhos que existiam em uma atmosfera de relativa tolerância mútua terminaram, dando início à chamada Guerra das Alpujarras.

Na rebelião, como contam cronistas como Hurtado de Mendoza ou Luis de Marmol e Carvajal, os mouros destruíram objetos de culto e igrejas mas, em Válor (Granada), pequena terra natal de Aben Humeya, um dos líderes dos rebeldes, estes respeitaram a igreja de São João Batista, uma vez que Aben Humeya teve uma relação especial com ela, talvez porque São João fosse o equivalente cristão do profeta islâmico Yahya (a.s), cujo túmulo está preservado até hoje na conhecida Mesquita Omíada em Damasco. Este era o mundo sincrético particular dos mouriscos.

O “Ansara” hoje em dia: sobrevivência no Magrebe

San Juan ainda é comemorado hoje na Espanha, mas em um contexto cristão e ultimamente tornou-se moda fazê-lo do ponto de vista da Nova Era (por exemplo, as notícias que vemos de pessoas recebendo o Solstício em Stonehenge) ou neopagão (wicca, neo-vikings, “xamanismo pré-colombiano”, etc.)

Também no Magrebe o costume persiste, embora com tendência a desaparecer devido à ascensão do fundamentalismo e por serem costumes de ambientes rurais, berberes ou de pessoas já muito velhas.

É possível que, ao longo dos séculos, a emigração dos andaluzes primeiro e depois dos mouros, tenha trazido esta festa para o Magrebe, onde ainda é celebrada de forma semelhante ao folclore na Espanha: Os berberes de Marrocos e Argélia acendem em junho 24, no seu próprio ‘Ansara, fogueiras que produzem fumaça densa, considerada protetora dos campos cultivados. Os objetos e utensílios domésticos mais importantes são passados ​​pelo fogo. Os berberes acendem-nas em pátios, caminhos, campos e encruzilhadas e queimam plantas aromáticas. Eles fumam praticamente tudo, até os pomares e os campos de milho. Saltam sete vezes sobre as brasas e percorrem os galhos acesos dentro das casas e até os aproximam dos doentes para purificar e imunizar o ambiente de todos os males.

No entanto, não devemos esquecer que até ao século XI-XII estas regiões foram massivamente cristianizadas, razão pela qual também tiveram uma influência semelhante à da Espanha muçulmana, substrato cristão mas que por sua vez vinha de raízes ancestrais pagãs e antigas onde a O tempo foi governado pelo Sol e o fogo sempre representou a Luz que renova a vida e a Natureza e finalmente triunfa sobre as Trevas, enchendo todo o firmamento.

Bibliografía consultada

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Fonte: funci.org